A desigualdade social é um fenômeno que ocorre quando,
em determinadas sociedades, algumas pessoas detêm mais capital, poder
e/ou influência que outras. Constitui-se, portanto, em uma condição
social que permite a determinadas pessoas ter maior visibilidade e
qualidade de vida em detrimento de outras. A desigualdade social pode
ser legitimada ou não, isto é, pode ser aceita como uma condição natural
dentro da sociedade por diversos fatores (religiosos, culturais,
políticos etc.) ou pode ser contestada por ser tida como uma condição
historicamente construída.
Na atualidade, por ser um fenômeno comum a todos os
países, dado que decorre da própria lógica do sistema capitalista, a
desigualdade social muitas vezes é legitimada sem que se tome
consciência, utilizando as justificativas mais variadas, sejam elas
baseadas em questões materiais ou simbólicas. No campo ambiental, as
desigualdades são especialmente observadas quando percebemos que os
benefícios e os danos de empreendimentos poluentes são mal distribuídos
na sociedade. Por exemplo: todos sabem que lixões, pedreiras, areais e
indústrias poluentes não são alocados em regiões nobres das cidades, mas
sim em regiões pobres, afastadas dos grandes centros urbanos.
Utilizando o argumento do “interesse público”, governos e
empresas muitas vezes se unem no intuito de justificar a instalação de
determinados empreendimentos em zonas pobres, onde geralmente habitam
pessoas de baixa escolaridade e necessitadas de emprego e renda. Desta
forma, conseguem convencer a opinião pública da importância social
daquele empreendimento ao mesmo tempo em que atraem a aceitação da
população local.
No entanto, o que sabemos é que as populações locais são
fortemente afetadas pelos danos provenientes destes empreendimentos
(contaminação e assoreamento de rios, lançamento de partículas tóxicas
na atmosfera, poluição e erosão dos solos, contaminação de produtos
agrícolas e recursos pesqueiros etc.), cujas “externalidades” causam
degradação das condições ambientais, ocasionando diversos impactos sobre
a saúde humana. São casos como estes que levaram ao surgimento de um
movimento global por “justiça ambiental”, cuja atuação no Brasil tem
sido crescente diante das ameaças que alguns empreendimentos que fazem
parte do novo plano desenvolvimentista brasileiro representam às
populações marginalizadas.
A desigualdade social pode ter diversas origens. Em
alguns países, como a Índia, os privilégios direcionados a uma parcela
da sociedade são justificados por uma questão político-religiosa que
define um sistema de castas, segundo o qual pessoas pertencentes a
determinada casta são consideradas naturalmente superiores, enquanto
outras são consideradas inferiores, sendo até mesmo excluídas do
convívio social. Contudo, este é um caso especial.
A desigualdade social que existe nos países que vivem sob o
sistema capitalista é ocasionada, sobretudo, pela divisão social que
existe entre os proprietários dos meios de produção e aqueles que para
estes trabalham, permitindo a continuidade do empreendimento e gerando
lucro para os proprietários. Este lucro, que garante a renda dos
proprietários, é gerado pela mais-valia, isto é, uma parte da produção
do trabalho que não é paga aos trabalhadores, indo direto para as mãos
dos proprietários do empreendimento.
Como existem poucos proprietários que recebem a mais-valia e
muitos trabalhadores assalariados que repartem o restante da renda
proveniente da produção, forma-se a desigualdade social capitalista, na
qual poucos dispõem de muito dinheiro e muitos dispõem de pouco. Essa
pequena elite privilegiada, proprietária dos meios de produção, foi
chamada de burguesia, e a grande massa de trabalhadores que compõem a
mão-de-obra foi chamada de proletariado, sendo que, ao longo dos anos,
com a complexificação das relações sociais, outras classes foram
surgindo (como a classe dos intelectuais e administradores, os
detentores do conhecimento que compõem a classe média e permitem a
perpetuação do sistema).
Na atualidade, afirma-se que as desigualdades sociais vêm se
agravando em nível mundial, com maior gravidade nos países periféricos,
devido sobretudo à fase neoliberal do sistema capitalista, que diminui a
participação do Estado na economia e confere maior poder às empresas
privadas, o que vem aumentando o abismo entre ricos e pobres e a
formação de um bloco cada vez maior de excluídos dos benefícios sociais.
Riscos e Consequências |
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A desigualdade social, por si, já é uma conseqüência da
forma de distribuição de riquezas e benefícios sociais do sistema
capitalista. No entanto, essa desigualdade desencadeia uma série de
outras conseqüências para a sociedade, todas elas derivadas da luta de
classes. Talvez a mais evidente seja a violência crescente que se
observa em nível mundial, em especial dentro dos grandes centros urbanos
dos países capitalistas, onde as desigualdades sociais são mais
marcantes.
No campo, aumentam também os embates violentos relacionados à
luta por melhor distribuição de terras. Ainda, pode-se afirmar que as
desigualdades têm uma forte relação com a desmobilização popular que se
observa em diversos países do mundo, com especial destaque para o
Brasil. Isso se deve à fragmentação da sociedade e à oposição de
interesses de classes no âmbito do sistema capitalista, o que impede que
haja uma união de esforços contra um vilão em comum. Isto se reflete
também no movimento ambientalista, visto que os diversos atores sociais
que formam este movimento (associações de moradores, ONGs
preservacionistas, ONGs socioambientalistas, fundações empresariais,
movimentos sociais pela reforma agrária, pela segurança alimentar etc.)
muitas vezes têm interesses conflitantes devido aos seus posicionamentos
classistas.
Nesta disputa pela imposição de valores e visões de mundo,
geralmente levam vantagens aqueles que dispõem de maior volume de
capital (financeiro, cultural, social, simbólico), por isso grande parte
da população é excluída dos processos de tomada de decisão, tendo de
arcar com danos conforme definido pelas partes mais fortes.
Ainda que todos entrem em acordo sobre a importância de
proteger o meio ambiente, torna-se difícil definir que caminho seguir ou
contra quê lutar quando não está claro para a maior parte da população
sequer quem são os maiores responsáveis por poluições, desperdícios
etc., pois até mesmo o acesso à informação é desigual. Desta forma, a
luta ambiental, que parece ser tão bem compreendida na teoria, é
severamente enfraquecida em sua prática, pois os esforços não são
convergentes e os que detêm conhecimento muitas vezes lutam em causa
própria, sem levar em conta o interesse coletivo.
Por fim, deve-se ressaltar que a pobreza sem dúvida leva à
degradação ambiental quando os sujeitos envolvidos precisam degradar os
recursos naturais para a sua sobrevivência, mas a riqueza sem dúvida
leva a uma degradação maior, pois a quantidade de recursos explorada
para satisfazer as necessidades materiais das classes dominantes (em
especial nos países desenvolvidos) certamente tem um impacto muito mais
significativo no meio ambiente.
A solução para um problema complexo como a desigualdade
social não pode ser pensada de forma estritamente técnica, como se
dependesse de uma equação matemática desenvolvida por economistas. Este é
um equívoco muito comum quando esquecemos as raízes históricas de
determinados problemas, por isso deve-se ter clareza de que este é um
problema decorrente da própria estrutura sistêmica em que estamos
inseridos, portanto pequenas reformas são incapazes de dar conta de todo
o processo. Contudo, podemos apontar alguns caminhos que vemos como
fundamentais na superação deste imenso problema social.
O primeiro deles, sem dúvida, é o acesso a uma educação pública de
qualidade, que atenda à realidade das populações envolvidas e seja capaz
de formar seus sujeitos para uma ação política comprometida com os
interesses coletivos. A educação deve ser vista não apenas como um
processo de formação de mão-de-obra para ser absorvida pelo mercado de
trabalho, mas essencialmente como um processo de formação da cidadania
plena, que prepare seus sujeitos para participar ativamente de todos os
espaços políticos (governos municipal, estadual, federal, poder
judiciário, mídia, comitês de bacia, conselhos gestores, audiências
públicas etc.), atualmente ocupados quase inteiramente por
representantes das classes dominantes. É importante frisar que a
superação da desigualdade social não pode se dar somente no nível
individual, com “força de vontade e determinação para o trabalho”, como
alguns pregam. A superação das desigualdades sociais deve ser pensada
sempre em um nível coletivo, de classe, com a união dos grupos
explorados e oprimidos (sejam eles de trabalhadores, de mulheres,
negros, homossexuais, sem-terra, sem-teto etc.) se voltando contra a
fonte da exploração que se encontra na raiz do sistema capitalista.
Além disso, é importante que o acesso ao conhecimento (científico e
não-científico) seja democratizado para que se supere a alienação
social, permitindo que a população possa interferir nos processos
produtivos não só no nível do consumo, mas também nos níveis de
elaboração, produção e distribuição de produtos. No fundo, o que
queremos dizer é que a superação das desigualdades sociais caminha junto
com a democratização plena da sociedade, portanto lutar por democracia é
também lutar pelo fim das desigualdades.
O que você pode fazer para ajudar?
Como dito anteriormente, é difícil apontar soluções para a
desigualdade social no nível individual, dado que este processo depende
de um esforço coletivo, por isso é importante que toda pessoa busque
participar de espaços coletivos que representem seus interesses. A
possibilidade de participar de um movimento social, uma ONG ou mesmo uma
associação de bairro precisa voltar a ser considerada como uma
atividade de grande relevância, pois a solução para as desigualdades
reside acima de tudo na atuação política, seja interferindo na
formulação de leis, emitindo opinião em audiências públicas ou
representando suas comunidades nos espaços apropriados. É importante
também buscar se informar por diversas fontes (livros, jornais, sites da
internet) e questionar a neutralidade das informações passadas, de
forma a poder apoiar ou criticar determinadas lutas com consciência do
que de fato acontece.
O conhecimento é de grande importância inclusive para
apoiar/criticar a criação de usinas hidrelétricas e nucleares, a
instalação de empreendimentos potencialmente poluidores, a produção de
alimentos transgênicos ou a transposição de rios, só para citar alguns
temas atuais. Isto porque tais atividades comprometem diversas pessoas e
recursos naturais, sendo ao mesmo tempo fontes de inclusão e exclusão
social.
Superar desigualdades significa optar por inclusão e justiça social,
mas simultaneamente ter consciência da capacidade de sustentação do
planeta para que “incluir” não seja sinônimo de “consumir”. Portanto
participe, se informe, inclua e rejeite injustiças.
- Conflitos Ambientais no Brasil – Henri Acselrad (org.) – Editora Relume Dumará
- Justiça Ambiental e Cidadania – Henri Acselrad (org.) – Editora Relume Dumará
- O que é Ideologia – Marilena Chauí – Editora Brasiliense
- Terceiro Setor e Questão Social – Carlos Montaño – Editora Cortez
- O Protagonismo da Sociedade Civil – Maria da Glória Gohn – Editora Cortez
- Os (des)caminhos do meio ambiente – Carlos Walter Porto-Gonçalves – Editora Contexto
- Educação Ambiental: repensando o espaço da cidadania – Carlos Frederico B. Loureiro (org.) – Editora Cortez.
fonte: http://www.ibiosfera.org.br/Desafios/DesigualdadeSocial.asp